sábado, junho 04, 2011

Histórias de vida de José Nuno Guedes do Nascimento e de Maria Lúcia Guedes Rodrigues do Nascimento

Maria Lúcia e José Nuno Nascimento, 
em Durban, em outubro de 1967
História de vida de José Nuno Guedes do Nascimento
Entrevista realizada pela filha Stella Aguirre para a Casa das Memórias.

Identificação:
SA: Como se chama?
JNGN: José Nuno Guedes do Nascimento.
SA: Nasceu? Data de nascimento.
JNGN: 22 Fevereiro de 1939.
Naturalidade:
SA: Onde nasceu? Local de nascimento
JNGN: Na aldeia de Vila Verde, no concelho de Alijó, no distrito de Vila Real.

Vida dos pais
SA: Como se chamam ou chamavam os seus pais?
JNGN: José Maria do Nascimento e Albertina de Jesus Guedes.
SA: De onde eram? Local de nascimento
JNGN: Eram os dois naturais da freguesia de Vila Verde.
SA: Sabe em que ano nasceram?
JNGN: Minha mãe a 25 de Fevereiro 1906 e meu pai a 23 de Dezembro 1910.
SA: Sabe como eles se conheceram?
JNGN Conheceram-se na aldeia. Eram vizinhos.
SA: Em que ano casaram?
JNGN: Em 1929.
SA: Onde ficaram a viver?
JNGN: Ficaram a viver em Vila Verde, em casa dos meus avós maternos.
SA: Quantos filhos tiveram?
JNGN: Tiveram 6 filhos, mas dois morreram, uma, com 5 anos e um menino com meses.
SA: Qual a profissão do seu pai?
JNGN: Agricultor.
SA: Qual a profissão da sua mãe?
JNGN: Doméstica.
SA: Dificuldades / facilidades da vida dos seus pais e da sua.
JNGN: Houve dificuldades durante o tempo da guerra (2.ª guerra mundial) para todos, mas felizmente em nossa casa nunca se conheceu a fome; houve sempre fartura – batatas, ovos, feijão, carne, leite... No tempo da guerra, o meu pai ainda explorou muito o volfrâmio. Meus pais ainda tinham algumas pessoas a trabalharem no campo. Eu era o mais novo. A minha irmã foi para o Brasil ainda nova e ficamos os três irmãos na aldeia até à altura de irmos para a tropa.

A sua vida
SA: Nasceu em que ano?
JNGN: Nasci em 1939.
SA: Quantos anos frequentou a escola?
JNGN: Completei a quarta classe.
SA: Onde estudou?
JNGN: Estudei na escola primária de Vila Verde.
SA: Onde trabalhou?
JNGN: De novo estive com meus pais, depois estive quatro anos na tropa na Guiné, de 1961 a 1964. Depois imigrei para África do Sul, em 1965. Ainda cheguei a dar dinheiro ao meu irmão para me comprar um terreno em Angola, mas não cheguei a estar lá nem nunca vi o terreno pois ficou tudo tomado.
SA: Aprendeu uma profissão?
JNGN: Sou serralheiro de mecânica de profissão. Tirei o curso de soldador em Portugal ainda antes de ir para África do Sul.
SA: Migrou para uma cidade?
JNGN: Estive em Évora a fazer vida militar. Depois fui transferido para Lisboa para tirar a especialidade de operador cripta. Depois estive na Guiné, de 1961 a 1964, como operador cripta.

Emigração
SA: Emigrou para o estrangeiro?
JNGN: Sim. Emigrei para a cidade de Durban na África do Sul, em 1965.
SA: Por quê?
JNGN: Fui porque em Portugal não havia pão cozido! Meu irmão estava lá e chamou-me para ir ter com ele. Era um país que estava a viver um boom económico e pedia muita mão-de-obra qualificada. Pagavam bem na altura. Então a seguir à tropa, fui ter com ele e logo que cheguei encontrei trabalho. Com a minha profissão nunca tive dificuldade em conseguir emprego. Graças a Deus fui sempre muito sortudo.
SA: Quantos anos aí ficou?
JNGN: Fiquei 27 anos. Fiquei de 1965 a 1992.
SA: Quando regressou?
JNGN Em 1992.
SA: Quando era jovem, como se divertia?
JNGN: Havia várias diversões. Jogava-se à bola, à reca…havia bailes, festas anuais. Ouviam-se as notícias na rádio. Havia muita conversa entre as pessoas e convivíamos muito mais…mesmo em tempo de trabalho….durante a vindima, por exemplo, juntavam-se muitas pessoas, ajudavam-se uns aos outros e acabava por ser muito agradável.
SA: Quando e como conheceu a sua esposa?
JNGN: Quando ela nasceu! A minha mãe foi parteira da mãe dela. Nesse mesmo dia uma porca que a minha tinha também pariu 10 leitões (risos) … a minha mãe nem sabia a qual havia de acudir (mais risos)...à porca ou à mãe da minha mulher. Bem... fomos nos conhecendo ao longo dos anos na aldeia. Lá havia um baile ou outro...
SA : Quando casaram?
JNGN: (olhando para a mulher para confirmar) casamos em 31 Dezembro de 1966...(mais risos…dos dois).
SA: Quantos filhos tiveram?
JNGN: Dois. Uma filha que nasceu em 1970 em Durban e um filho que nasceu também em Durban em 1978 na África do Sul.

Práticas religiosas
SA: Pratica /frequenta alguma religião?
JNGN: Sim.
SA: Qual?
JNGN: Católica.
SA: Andou na catequese?
JNGN: Sim.
SA: Fez as comunhões? Crisma?
JNGN: Sim.
SA: Ia nas procissões?
JNGN: Ainda cheguei a ir com a opa…mas sim...ia nas procissões. Naquela altura, e ainda hoje, eram ocasiões de convívio onde as pessoas todas se reuniam e gostavam de participar.
SA: Pertenceu à fábrica da igreja?
JNGN: Não.
SA: Foi mordomo de alguma festa religiosa?
JNGN: Não.

Opções políticas
SA: Foi ativista político?
JNGN: Não.
SA: Pertenceu a algum partido ou movimento?
JNGN: Não.
SA: Esteve preso no Antigo Regime?
JNGN: Não.
Participou em manifestações?
JNGN: Não.
SA: Foi apoiante do Regime Salazarista?
JNGN: Trabalhei e vivi no tempo da ditadura do Salazer e do governo de Marcelo Caetano, mas não era apoiante nem ativista de nenhum.
SA: Pertenceu à polícia política de Salazar?
JNGN: Não.
SA: Seguidor / admirador de Salazar?
JNGN: Não.
SA: Seguidor / admirador de Marcelo Caetano?
 JNGN: Não.
SA: Por quê?
JNGN: Porque nunca tive inclinações políticas. Guerra colonial.
SA: Esteve na guerra colonial?
JNGN: Sim.
SA: Em que colónia?
JNGN: Guiné.
SA: Em que data?
JNGN: Estive desde Maio de 1961 até Novembro de 1964.
SA: Esteve em combate?
JNGN: Nunca pude ir para o mato, porque trabalhava em comunicações no quartel. Era operador cripta e era eu responsável pelas informações secretas e outras do quartel. Ninguém entrava sem minha autorização. Era um trabalho muito exigente e significava que nunca cheguei a entrar em combate como os outros colegas. Também fiquei obrigado a estar mais tempo do que seria originalmente necessário porque não acharam ninguém que me pudesse substituir e assim acabei por ficar quatro anos! Muito tempo para se ver e ouvir muita coisa.
SA: Lembra-se de algum episódio passado lá?
JNGN: Morreram muitos colegas e outros ficaram feridos. Lembro-me das emboscadas que faziam aos nossos soldados. O meu irmão é que contava muito de um incidente que ele viveu no mato. Tinham sido encurralados e a única saída para eles era virar e enfrentar o inimigo que estava em maioria e mais bem armado ou enfrentar um rio cheio de crocodilos. Ele e os colegas optaram pelos crocodilos e tiveram sorte em ficar com a vida, mas não foi o mesmo para muitos outros.
SA: Acha que a guerra era necessária?
JNGN: A guerra nunca foi necessária especialmente, porque aquela terra pertencia aos negros, nunca foi de Portugal. Era desnecessário tanta morte e sofrimento...de ambas as partes.
SA: Ou foi um erro e um flagelo para a juventude portuguesa?
JNGN: Para mim foi. Não era para andar a lutar na terra dos outros…aquilo era deles.
SA: Ficou com traumas da guerra?
JNGN: Uma pessoa fica sempre marcada pelos acontecimentos da guerra…especialmente quando acreditamos que era errado andar naquilo. Foram pessoas que morreram, famílias que sofreram…tudo desnecessários. Ainda hoje recordo muitas vezes… (baixa a cabeça).
SA: Foi tratado?
JNGN: Não. SA Guarda fotos e cartas desse tempo?
JNGN: Tenho alguma coisa. Ainda tenho aerogramas escritos e tenho algumas fotos. Ainda tive uma madrinha da guerra que era brasileira, mas não me recordo do nome dela. Ela ainda me escreveu várias vezes. Era sempre bom receber uma carta. Recebia também dos meus pais.
SA: Ficou numa ex-colónia?
JNGN: Não. Depois de estar quatro anos na Guiné fui para Moçambique. Só tive 6 meses em Lourenço Marques até obter passaporte para imigrar para África do Sul.
SA: Constituiu lá a sua família?
JNGN: Constitui minha família na África do Sul. Casei por procuração com a minha mulher. Ela foi lá foi ter comigo lá a 6 de Junho de 1967.
SA: Por que motivo ficou lá?
JNGN: Era um país em crescimento económico e com grande oferta de trabalho. Com a minha profissão tive sempre trabalho.
SA: Quando regressou?
JNGN: Regressei a Portugal em 1992. Ainda fiquei lá três anos com a minha filha que estava a terminar os estudos na universidade. A minha mulher e filho já estavam em Portugal, vieram para Portugal em 1989.
SA: Foi difícil o seu retorno a Portugal?
JNGN: Sim, pois ia deixar de ter um rendimento fixo. Tive que me habituar a outra maneira de viver. SA: O que lembra dessa experiência?
JNGN: Senti um pouco de stress…nunca mais exerci a minha profissão em Portugal. Passei a ser agricultor e nunca mais tive uma vida como lá…
SA: Viveu alguma catástrofe natural (cheias, temores de terra, derrocadas, guerra, exílio, etc.)?
JNGN: Tirando a guerra, não. Estava na África do Sul em 1986 quando foi declarado um estado de emergência, o que significava que tinhamos de andar sempre com identificação, não podiamos andar na rua após as 22 horas excepto com autorização, não podiam andar 4 ou mais pessoas em conjunto na rua...haviam muitos ‘road blocks’...a tropa fazia controlo nas estradas. Mandavam-nos encostar para revistar o carro, mas nunca tive problemas, eles viam logo quem andava metido em atos de terrorismo. SA: Sofreu alguma experiência traumática?
JNGN: Não.
SA: Acidente?
JNGN: Tive um acidente com o meu primeiro carro e foi porque um outro carro passou a luz vermelha. Ficou desfeito!
SA: Doença grave?
JNGN: Tive uma dupla pneumonia e foi enquanto a minha mulher tinha vindo a Portugal tratar dos assuntos da casa. Andávamos a construir a casa cá e ela tinha vindo ver como iam as obras. Eu tinha ficado com a minha filha que na altura devia ter seus 9 ou 10 anos. Ainda estive bastante mal, mas o que valeu foi eu ter estado em boa forma física e os médicos serem bons.
SA: Como encarou essa situação?
JNGN: Não foi fácil, mas tive bons amigos que cuidaram da minha filha enquanto estive internado. SA: Fez alguma loucura na sua vida? (Amor, negócios, aventuras, fugas, etc.)
JNGN: Não.
SA: Tem alguma história em especial que nos queira contar?
JNGN: Vivi uma grande parte da minha vida como emigrante, conheci outros povos, aprendi outras línguas, trabalhei muito e vivi muitas experiências devido a essa emigração. Agora sou Transmonano a tempo inteiro.


História de vida de Maria Lúcia Guedes Rodrigues do Nascimento

Entrevista realizada pela filha Stella Aguirre para a Casa das Memórias.

Identificação:
SA: Como se chama?
MLGRN: Maria Lúcia Guedes Rodrigues do Nascimento.
Naturalidade:
SA: Onde nasceu? Local de nascimento
MLGRN: Vila Verde, concelho de Alijó, distrito de Vila Real a 3 de Maio 1949.

Vida dos pais:
SA: Como se chamam ou chamavam os seus pais?
MLGRN: A minha mãe chamava-se Conceição Lourdes Guedes (e escreve-se Lourdes assim porque o pai dela tinha viajado a Lourdes no ano anterior ao seu nascimento e por isso ficou Lourdes com ‘ou’). O meu pai chamava-se António Garcia Rodrigues.
SA: De onde eram? Local de nascimento
MLGRN: Eram os dois de Vila Verde de Alijó.
SA: Sabe em que ano nasceram?
MLGRN: A minha mãe nasceu em 25 Fevereiro de 1911 e o meu pai em 17 Fevereiro de 1906.
SA: Sabe como eles se conheceram?
MLGRN. Eles nasceram e viveram na mesma aldeia.
SA: Em que ano casaram?
MLGRN: 1932.
SA: Onde ficaram a viver?
MLGRN: Em Vila Verde em casa própria. Os meus avós paternos deram-lhes uma casa.
SA: Quantos filhos tiveram?
MLGRN: Tiveram 9 filhos, mas morreu um com um mês de idade.
SA: Qual a profissão do seu pai?
MLGRN: O meu pai era carpinteiro.
SA: Qual a profissão da sua mãe?
MLGRN: Minha mãe era doméstica embora também cuidasse dos assuntos da agricultura. Ela sabia ler e escrever e vinha de uma família de alguns bens, por isso que o pai dela não gostou muito do casamento deles.
SA: Dificuldades / facilidades da vida dos seus pais e da sua.
MLGRN: As dificuldades eram as mesmas de todos…a falta de dinheiro. O que valia era terem terrenos próprios e não precisavam de pagar rendas para granjear. Os filhos todos ajudavam nas responsabilidades como cuidar das terras, da casa e dos irmãos mais novos. Mesmo assim os meus pais insistiram que fossemos todos estudar, e os 8 filhos completaram a quarta classe. Não tínhamos luxos nem abundâncias, como temos hoje, mas não passei fome, graças a Deus. O meu pai ainda esteve emigrado no Brasil uns anos…entre a primeira ninhada de filhos e a segunda. Nesse tempo a minha mãe ficou sozinha a cuidar dos filhos, casa e terrenos.

A sua vida
SA: Nasceu no dia e ano de?
MLGRN: Nasci no dia 3 de Maio de 1949.
SA: Quantos anos frequentou a escola?
MLGRN: Completei a 4ª classe.
SA: Onde estudou?
MLGRN: Na escola primária de Vila Verde.
SA: Onde trabalhou?
MLGRN: Na minha juventude trabalhei sempre, cuidando da casa. Não ia muito trabalhar nas terras, pois como era a única menina cuidava da casa enquanto meus irmãos iam trabalhar as terras. Tenho duas irmãs mais velhas, mas elas já tinham emigrado para o Brasil quando eu era pequenita. Assim tomava conta das refeições e das outras responsabilidades do lar.
SA: Aprendeu uma profissão?
MLGRN: Não propriamente. Aprendi sozinha a costura e fiz muita roupa para meus filhos, marido e para mim. Fui doméstica embora também tenha trabalhado como empregada de caixa num supermercado na África do Sul durante alguns anos. Também trabalhei como representante de uma empresa de que vendia artigos vários como: postais, revistas, livros e outros artigos publicitários, também na África do Sul. Como tinha carta de condução e sabia ler e escrever inglês fiquei responsável pela seção. Depois ainda trabalhei como responsável pela cozinha de um hospital da cidade de Durban. Eu tinha que organizar horários dos empregados, fazer encomendas, entre outras responsabilidades. Gostei de todos os empregos, de conviver com as pessoas e de ter uma ocupação além de trabalhar em casa. Olha, ainda fiz muita vez de intérprete de muitos portugueses que lá viviam quando precisavam de ir ao médico ou tratar de certos assuntos.
SA: Onde?
MLGRN: Na África do Sul.
SA: Em que local?
MLGRN: Na cidade de Durban.
SA: Foi aprendiz? Foi mestre?
MLGRN: Em todos os trabalhos tive sempre um pequeno estágio. Emigração SA Emigrou para o estrangeiro? MLGRN África do Sul.
SA: Quando?
MLGRN: Em 6 de Junho de 1967.
SA: Por quê?
MLGRN: O meu marido já estava a viver lá e tinha um emprego. Casamos por procuração e eu fui ter com ele. Foi uma viagem de muita aventura, pois eu era uma jovem e nada sabia de inglês. Depois lá aprendi a falar, ler e escrever o inglês. Também entendia a outra língua oficial, o Afrikaans, que é muito parecido com o holandês. Em Portugal, a situação económica estava muito complicada e sem grandes promessas de futuro, por isso tomamos o caminho da emigração na esperança de encontrar vida melhor.
SA: Quantos anos aí ficou?
MLGRN: Fiquei 24 anos.
SA: Quando regressou?
MLGRN: Em 1989, regressei a Portugal com meu filho, mas o meu marido e filha ainda ficaram lá, porque a minha filha estava a estudar na universidade.
SA: Quando era jovem, como se divertia?
MLGRN: Trabalhava! Logo desde cedo era fazer os deveres da escola e as tarefas de casa. Mas mesmo assim ainda fiz bonecas de trapos…bordava-lhes os olhos, boca e sobrancelhas. Brincava com as outras crianças aos jogos habituais como às apanhadas e escondidas.
SA: Quando e como conheceu o seu marido?
Conheci-o na aldeia. Quando regressou da tropa andávamos muito nos bailes. Ainda hoje gostamos de dar uns passinhos de dança (risinhos).
SA: Quando casaram?
MLGRN: Em 31 Janeiro 1966 por procuração. Eu estava em Vila Verde e o meu marido em Durban.
SA: Quantos filhos tiveram?
MLGRN: Dois: uma filha e um filho.

Práticas religiosas
SA: Pratica /frequenta alguma religião?
MLGRN: Sim.
SA: Qual?
MLGRN: Católica.
SA: Andou na catequese?
MLGRN Sim.
SA: Fez as comunhões? Crisma?
MLGRN Sim. Tinha uma bata branca com uma cruz vermelha à frente que se usava na igreja, (a cruzada). Era de uma ordem qualquer, mas já não me lembro do nome. Tínhamos que usar sempre um véu de renda na cabeça quando íamos na igreja.
SA: Ia nas procissões?
MLGRN: Sim. Sempre. Uma vez, fui de Nossa Senhora com um vestido tão bonito (pondo as mãos ao peito e olhando para cima)…. e muitas vezes de anjinho.
SA: Pertenceu à fábrica da igreja?
MLGRN: Fazia parte daquela ordem (cruzada).
SA: Foi mordoma de alguma festa religiosa?
MLGRN: Não.

Opções políticas
SA: Foi ativista político?
MLGRN Não.
SA: Pertenceu a algum partido ou movimento?
MLGRN: Não.
SA: Esteve presa no Antigo Regime?
MLGRN: Não.
SA: Participou em manifestações?
MLGRN: Não.
SA: Por quê?
MLGRN: Nunca tive interesse nessa coisa de política. É muito sujo.
SA: Foi apoiante do Regime Salazarista?
MLGRN: Nem fui contra nem a favor, mas como tudo tem os bons e os maus aspetos. Hoje, por exemplo, falta disciplina e no tempo do Salazar havia respeito...bem também havia à mistura o medo. Mas gosto da política dele que primeiro aos de casa. Pois primeiro ainda tínhamos onde vender o que grangeavamos e hoje bem pode tudo apodrecer.
SA: Seguidora / admiradora de Salazar?
MLGRN: Não.
SA: Seguidora / admiradora de Marcelo Caetano?
MLGRN: Não.
SA: Por quê?
MLGRN: Nunca tive inclinação para isso.

Guerra colonial
SA: Teve alguém próximo na guerra colonial?
MLGRN: O meu marido é que esteve na tropa na Guiné. Nessa altura ainda não eramos namorados mas sempre estive próxima dos acontecimentos pois eu frequentava regularmente a casa dos pais dele. SA: Em que data?
MLGRN: De 1961 a 1964.
SA: Esteve em combate?
MLGRN: Ele era operador cripta.
SA: Lembra-se de algum episódio contado pelo seu marido?
MLGRN: A guerra deixa muitas marcas. Ainda hoje vejo angústia e dor quando ele fala nisso. Não foram momentos fáceis para os homens e mulheres que viveram a guerra de perto.
SA: Quando é que ele voltou da guerra?
MLGRN: Regressou em Novembro de 1964.
SA: Acha que a guerra era necessária?
MLGRN: Nunca.
SA: Ou foi um erro e um flagelo para a juventude portuguesa?
MLGRN: Que Deus nos livre da guerra.
SA: O seu marido ficou com traumas da guerra?
MLGRN: É impossível ter estado numa guerra e sair ileso. Acredito que as consequências se manifestam de muitas formas ainda hoje.
SA: Foi tratado?
MLGRN: O meu marido nunca recebeu qualquer apoio do estado apesar de ter dado tantos anos de sua vida. E teve que ficar lá mais tempo pois não havia quem o pudesse substituir.
SA: Guarda fotos e cartas desse tempo?
MLGRN: Não.

Emigrações
SA: Emigrou para Durban na África do Sul?
MLGRN: Fui diretamente de uma aldeia pequena, como Vila Verde, para outro continente, outro país e uma cidade grande como Durban em 6 de Junho de 1967.
SA: Foi difícil o seu retorno a Portugal?
MLGRN: Sim. Regressei da África do Sul com o meu filho, em 1989. Deixei meu marido e filha na África do Sul. Foi uma altura muito difícil, pois sentia-me emocionalmente rasgada em dois. Tive dificuldades em adaptar-me à vida em Portugal. Acho que foi mais difícil adaptar-me a Portugal anos depois do que na África do Sul na altura sem saber falar o inglês.
SA: O que lembra dessa experiência?
MLGRN: Custou muito a habituar-me a outra maneira de viver. Estive muitos anos fora e numa cultura muito diferente da nossa. Aliás, na África do Sul vivia-se com pessoas de várias culturas, raças e línguas, mas foi uma experiência maravilhosa. Conheci pessoas que até hoje são amigas. Os meus filhos também tiveram a oportunidade de conhecer outras formas de partilhar, viver e pensar. Sim...foi uma boa experiência.
SA: Viveu alguma catástrofe natural (cheias, temores de terra, derrocadas, guerra, exílio, etc.)? MLGRN: Na África do Sul sim. Em 1985, houve um tempo de grandes chuvas e inundações que levaram muitas casas e morreram muitas pessoas. Nessa altura, meu filho estava internado a fazer uns exames no hospital e meu marido trabalhava numa cidade que ficava a 2 horas de carro, mas como caíram pontes passou a levar 4 horas a fazer a viagem. Eu costumava fazer essa viagem de carro com meus filhos para irmos ter com o meu marido aos fins-de-semana. Eram viagens por quilómetros e quilómetros de estradas sem habitações, quilómetros de cana-de-açúcar, enormes quintas…mas estivemos sempre bem…nunca fomos assaltados nem nos fizeram mal.
SA: Sofreu alguma experiência traumática?
MLGRN: Vivi na África do Sul numa altura em que houve grande instabilidade política, ameaças de bomba e manifestações nas ruas. Isto na altura do apartheid em que estava a ser contestado pela grande maioria das pessoas. A minha filha andou numa escola, que foi a primeira a abrir as portas a todas as raças. E hoje fico ainda mais satisfeita em ver que isso marcou a diferença…ainda me lembro de 1986 quando houve um estado de emergência e vieram ficar duas colegas dela em nosso pequeno apartamento. Pois como elas eram de raça negra a frequentar uma escola supostamente de brancos estavam em perigo de vida. Eram ameaçadas por outros negros e para as protegerem e poderem continuar a frequentar as aulas ficamos com duas meninas em nossa casa…e ainda durante algum tempo. Mas isso faz parte da vida…olha que será isso uma afirmação política, não? Noutra ocasião estavamos num Shopping Center, até estavamos com uma amiga numa sapataria a experimentar uns sapatos, quando o Shopping foi completamente evacuado por causa de ameaça de bomba. Todas as pessoas sairam calmamente e sem confusão. Até fizeram questão de me deixar passar à frente pois tinha o meu filho com uma deficiência. Foi uma época de grande tensão.
SA: Acidente?
MLGRN: Tivemos um acidente com o nosso primeiro carro.
SA: Doença grave?
MLGRN: O meu filho foi diagnosticado com uma doença neuromuscular e tivemos muita sorte porque lá havia dos melhores médicos nessa especialidade.
SA: Como encarou essa situação?
MLGRN: Ainda viemos a Portugal procurar conselhos dos médicos cá, mas eles apenas disseram que já tínhamos estado com os melhores na África do Sul. Regressamos, e mantivemos a confiança e fé. O que tínhamos a fazer era procurar sermos felizes e viver a vida de cabeça erguida.
SA: Fez alguma loucura na sua vida? (Amor, negócios, aventuras, fugas, etc.)
MLGRN: Não.
SA: Tem alguma história em especial que nos queira contar?
MLGRN: Já contei tanta coisa, mas lembro-me muito das pessoas principalmente. Os portugueses eram muito bem vistos como um povo trabalhador que dava sempre o seu melhor.

1 comentário:

  1. Que bela memória de reler esta entrevista com meus queridos pais. Muito obrigada Olinda por esta oportunidade!

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