Entrevistado: António Luís Parente Meixedo
Local da entrevista: Lugar de Campo Benfeito – Castro Daire
(domicílio de férias da entrevistadora e do entrevistado).
Data da entrevista: nos dias 7 e 8 de agosto de 2012, das
15h às 18h.Duração da entrevista: 5h, 2horas e meia no dia 7 e outras 2 horas e meia no dia 8.
António Luís Parente Meixedo, em Campo Benfeito, agosto de 2012 |
Em primeiro lugar, gostaria
de registar o seu nome completo?
António Luís Parente Meixedo.
Nasceu em que data?
Nasci
a 20 de junho de 1943, no lugar de Santa Marta de Portuzelo, no concelho de
Viana do Castelo.
Vida
dos pais
Os seus pais eram naturais
da mesma localidade?
O
meu pai era natural do lugar de Santa Marta de Portuzelo e a minha mãe da
Meadela, uma localidade vizinha, pegada a Santa Marta.
Como se chamavam e em que
ano nasceram?
O
meu pai chamava-se Gaspar Martins Meixedo.
A
minha mãe chamava-se Conceição Parente, nasceu a 3 de agosto de 1904 e o meu
pai não me recordo do mês, mas presumo que nasceu em junho ou julho de 1905,
porque ele era mais novo um ano do que a minha mãe.
Quando se casaram?
Não
sei quando se casaram, mas a minha irmã mais velha tem 84 anos, portanto eles
devem ter casado um ano antes, por isso por volta de 1927 com vinte e poucos
anos.
Que profissões tinham?
O
meu pai tinha uma frota de barcos no rio Lima, que transportava os produtos
(cereais) para alimentar as feiras de Viana do Castelo e Ponte de Lima. Todos
os filhos foram barqueiros, mas não soube vender os barcos a tempo nem
modernizar-se a acabou por ir à falência. Como já disse atrás a minha mãe era
comerciante na área de frutas e cereais, comprava a fruta nas árvores e tinha
criados para colherem a fruta e depois vendia-a para os mercados do Porto.
Vida
dos irmãos
Diga-me os nomes dos seus
irmãos.
Rosa
da Conceição Parente Meixedo; Luís Parente Meixedo; Manuel Parente Meixedo; Gaspar
Parente Meixedo; Domingos Parente Meixedo, José Parente Meixedo; Francisco
Parente Meixedo; António Luís Parente Meixedo; José Passos Parente Meixedo. Eu
sou o antepenúltimo filho (risos).
Por que é que a sua irmã
os criou?
Para
ser sincero tenho uma grande paixão pela minha irmã, como se fosse minha mãe,
porque a minha mãe como era comerciante, trabalhava muito e muitas vezes não
vinha a casa, porque os negócios a obrigavam a ficar fora. A minha mãe era
muito gananciosa. Critiquei-a muito, porque ela pensava muito no dinheiro. A
minha mãe pensava mais no dinheiro do que nos filhos. Eu não tinha poder sobre
isso e prejudicou-nos muito. Herdei dos meus pais, posso dizer, duas quintas, à
minha parte: um terreno na Meadela e um terreno em Santa Marta de Portuzelo. Eu
como nunca gostei daquela terra não fiz lá casa. Gosto da terra, mas não gosto
daquela gente, do povo que lá vive, metem-se muito na vida das pessoas. É um
povo como muita fantasia para o bem e para o mal. Aquela gente é muito
alcoviteira. No Porto, é totalmente diferente, as pessoas respeitam-se, mas não
se metem na vida umas das outras. Nas grandes cidades, tudo está mais próximo.
Eu por essa razão gosto mais de viver numa grande cidade, gosto mais do Porto.Depois disso mandou-o para o Brasil, porque ela tinha lá um irmão de quem era muito amiga em Porto Alegre, São Paulo, Rio Grande do Sul. Ele foi de barco para lá. A minha mãe ficou sem ver o filho querido muitos anos, porque ele enriqueceu lá, mas nunca quis saber da mãe. Ficou lá quarenta e tal anos. Eu atirava-lhe isso à cara que o querido dela abandonou-a. Dizia-lhe que ela separou os filhos amorosamente. Ele nem a viagem lhes mandou. Passados vinte e tal anos ele convidou os meus pais a irem ao Brasil visitá-lo, mas nem a viagem lhes pagou. Antes disso o meu irmão Luís foi ao Brasil dançar com o Rancho Folclórico de Santa Marta de Portuzelo e o meu irmão Manuel foi ter com ele de avião a jato ao lugar onde decorria o Festival Folclórico.
Ele
é o meu padrinho de batismo, porque segundo o reitor da igreja de Santa Marta
de Portuzelo, segundo as leis da igreja, na altura em que eu nasci. O oitavo
filho tinha de ser batizado pelos irmãos mais velhos senão virava lobisomem. Os
meus padrinhos são a minha irmã Rosa e o meu irmão Manuel. Ele como eu era o
afilhado dele, convidou-me por carta a ir trabalhar com ele para o Brasil. Eu
na altura ainda era solteiro, mas já era encarregado na empresa Soares da
Costa. Escrevi-lhe impondo as minhas condições para ir para o Brasil, mas ele
nunca me respondeu. Eu não confiava nele e queria um contrato assinado antes de
ir para o Brasil. Ele disse à minha mãe que eu não quis ir e a minha mãe
disse-lhe que eu estava bem, estava numa grande empresa que corria o mundo
todo. Os meus pais faleceram e ele não veio cá.
O
meu pai faliu. Tornou-se fiador de vários amigos e perdeu tudo, depois disso tornou-se
alcoólico. A minha mãe foi corajosa e conseguiu não pagar as fianças dele,
porque colocou uma ação em tribunal. O meu pai depois ficou em casa a ajudar o
meu irmão Gaspar e a mulher Cândida Gigante na agricultura. Faleceu com 78 ou
79 anos em 1984.
O
meu irmão Manuel era muito rico, porque tinha confeitarias, cafés e fábricas de
farinha vinda da Argentina, bombas de gasolina no Rio Grande do Sul, em Santa
Catarina. O sócio do meu irmão que era o financeiro, o meu irmão era o prático,
roubou-o e ele ficou na miséria. Antes teve um desgosto muito grande, porque
mataram-lhe o genro, num assalto, que aconteceu quando ele foi buscar as filhas
à escola. O genro do meu irmão colocou-se à frente de uma filha para a salvar
da morte e foi ele atingido. O meu irmão ficou muito perturbado com isso e um
sócio que tratava das finanças roubou-o só ficou com 4 apartamentos e uma casa
de praia em Santa Catarina e com uma pequena pensão. A minha irmã Rosa quando
soube disso foi com uma filha ao Brasil saber dele e viu que ele estava pobre,
com uma reforma baixa e a família da mulher e a mulher afastou-se dele. Ainda
trabalha já velhote numa empresa de uns sobrinhos da parte da mulher.
Ele
veio a Portugal com um casal amigo, o Gaspar pagou-lhe a viagem porque o Gaspar
tinha ficado com a herança dele. Há 2 anos atrás ele veio cá. Nunca veio com os
pais vivos. Ele é a figura exatamente do meu pai. Eu e o Luís somos parecidos
com a minha mãe. Entretanto, veio cá e num jantar em casa dos nossos pais, com
todos, o Gaspar filho, o meu sobrinho, disse que queria passar a herança do tio
Manuel a dinheiro e queria que o tio António estivesse presente na altura em
que lhe passasse o dinheiro. O Manuel aceitou o dinheiro para levar para o
Brasil. Encerra o capítulo deste meu irmão.
Gaspar Parente Meixedo foi
o que mais me castigou e é de quem mais gosto. Eu sempre odiei a agricultura.
Eu era muito pequeno e ficava com as mãos feridas. O Gaspar castigava-me,
porque eu ficava a brincar e deixava as vacas irem comer o milho dos campos dos
vizinhos. A minha mãe batia-me com o sougo, arreio das vacas, e eu fugia de
casa e dormia nos palheiros. Aquela vida era brava. O Gaspar foi o lavrador era
ele que mandava em casa e era muito severo para os mais novos. Mandava-me com
as vacas para uma veiga de Darque em Viana. Eu tinha de fazer vários
quilómetros a pé e de atravessar o rio Lima com as vacas. O meu irmão não se
preocupava comigo, nem tinha medo que eu me afogasse.
O
Gaspar era o agricultor e tinha com ele o Francisco, eu e o Passos. Nós os três
tínhamos de fazer a comida durante o dia, ir com o gado e de ir à escola. Colocávamos
uma panela na lareira metíamos lá a carne, as batatas e a hortaliça. Eu era tão
mau que às vezes até me apetecia escarrar na comida. À noite todos chegavam e
comiam, mas éramos nós os mais pequenos que fazíamos todo o trabalho de casa. Um
gajo com estas mordidelas aprende muito na vida. Aprendi muito na vida. Era ele,
o Gaspar, que dava os conselhos, os meus pais ouviam-no muito. O meu avó, pai
do meu pai, chamado Luís Martins Meixedo, quando se reformou veio tomar conta
do que era dele. Eu tinha mais respeito ao meu avó do que ao meu pai. Ele tinha
sido comandante da marinha mercante, era um homem desenvolvido. O meu pai era
muito mais atrasado. Foi ele que me mostrou o que era o sexo, me ensinou a ser
independente, mostrou-me o que era a vida. Ele gostava muito da minha mãe. O
meu avô era tão evoluído que todos os filhos sabiam ler e escrever. O meu avó
não conseguiu pôr travão ao meu pai, porque já era velho e o meu pai com o copo
e os amigos foi à falência.
Domingos Parente Meixedo trabalhava
com o meu pai, nos transportes da areia, dos cereais, etc. Foi para a Índia,
por volta de 1954, e depois não quis trabalhar mais com o meu pai, queria
sociedade na indústria e comércio do meu pai, mas ele não lhe deu. Mas ele
queria casar, engravidou a namorada, uma rapariga muito querida da minha mãe e
exigiu à minha mãe a mobília, o fato para o casamento, e outras coisas, porque
queria ir viver para casa da sogra. Se não lhe desse o que ele queria e
disse-lhe que a roubava. A minha mãe como ele tinha vindo da guerra na Índia,
deu-lhe um desconto e ele conseguiu tudo o que quis. Eu dormia com ele no mesmo
quarto e então disse-lhe: “Como deste a golpada à velha?”. Entretanto, recebeu
uma quantia de dinheiro de um comprador do meu pai e ficou com o dinheiro. Ele
disse que não lho dava e o meu pai perdoou-lhe. Quando casou foi viver para Samonde,
onde vive ainda hoje.
Eu
não gostei daquela ação que ele fez aos meus pais, e chamava-lhe Neru. Ainda
hoje não me dou com ele, ele é do Benfica e eu sou do Porto, não temos nada a
ver um com o outro.
Ele
é mesmo um Neru, deu também o golpe à sogra, fez-lhe o conto do vigário. A
velhota pôs tudo o que tinha em nome dele e da filha e roubou os outros filhos,
ficou-lhe com tudo. Pediu ao Francisco para lhe fazer uma venda fictícia, a
fazer de conta que as coisas ficavam para o Francisco. Entretanto, deu-se a guerra
colonial (1961) e a minha mãe dava-nos dinheiro para eu e os meus irmãos não
irmos para a guerra, mas para irmos a salto para França. Eu não quis ir a salto
para França. Foi o meu cunhado Ramiro e foi o Francisco. O Ramiro pagou mais
tarde à minha mãe, o dinheiro que ela lhe tinha emprestado, o Francisco não
pagou nada. O Francisco nunca mais apareceu. Depois o Domingos também foi para
França e procurou o Francisco por causa da herança. Conseguiu encontrá-lo e ele
assinou a passagem da herança para o nome do Domingos. O meu irmão Francisco foi
muito escravizado. Eu tinha coragem de enfrentar a velha e o Gaspar, mas o
Francisco não. O Francisco ficou com ódio ao Gaspar e à minha mãe, ao meu pai
não, porque ele não era tão severo connosco. O meu pai sabia educar, a minha
mãe não. O Domingos tratou mal a sogra, mas a filha, a mulher, também teve
culpa. Mas a minha mãe dava sempre a desculpa da guerra. O José reformou-se e está em Santa Marta, mora numa das quintas que lhe tocou na herança.
O José é muito humanista e tentou encontrar o Francisco, que também está em França e conseguiu, mas o Francisco não lhe quis falar. Conto já a seguir essa história.
Francisco Parente Meixedo
primeiro trabalhou na agricultura, depois nos estaleiros. Ele foi muito escravizado
pelo irmão Gaspar e pela minha mãe. Foi para França, na altura da guerra
colonial e nunca mais deu notícias. Diziam que ele era um grande chefe de “chantier”.
Há poucos anos a Fátima Andorinha a mulher do José que tem muitos amigos franceses,
conseguiu através de uma amiga saber onde ele se encontrava. Atualmente, ele
diz que é espanhol que não tem irmãos, que é natural de Madrid. Uma amiga da
cunhada Fátima conseguiu localizá-lo e foi a casa dele falar com ele. Ele está a
viver perto do aeroporto de Charles De Gaulle, perto da Filipa Meixedo, a minha
filha. O José e a mulher Fátima tocaram-lhe à porta e foram falar com o
Francisco. Este disse que se chamava Meixedo Parente Francisco, e que tinha
nascido em Madrid em Espanha. O irmão José ficou indignado e disse-lhe que eram
irmãos e quase da mesma idade, que eram tão amigos. A cunhada Fátima Andorinha
também lhe disse que eram amigos de infância, mas ele sempre negou. Respondeu
que não era português, que falava português, porque tinha muitos amigos
portugueses, mas que ele era espanhol. O irmão José sentiu-se mal por ele negar
a família e vieram embora.
António
Luís Parente Meixedo: “Eu sempre disse que ele não era bom. Se ele não me quer
ver eu também não, eramos muito amigos. A minha filha Filipa Meixedo diz-me que
se eu quiser que vamos falar com ele, mas se ele não me quer ver, eu também não
quero”.[Passamos agora ao nono irmão, para terminar a história de vida dos irmãos e depois demoramo-nos mais na história de vida do António Luís Parente Meixedo]
Quando
vieram ao meu casamento (1975), o meu irmão Passos ficou abismado quando viu o
meu apartamento, na Prelada, aqui no Porto. Ele disse-lhe que aqui, em
Portugal, também se trabalhava e ganhava bem. Esse meu irmão visita muito a
minha irmã Rosa, vem passar férias a Santa Marta de Portuzelo.
História
de vida
António Luís Parente
Meixedo nasceu a 20 de junho de 1943, no lugar de Santa Marta
de Portuzelo, no concelho de Viana do Castelo. Os seus pais chamavam-se
Conceição Parente, natural do lugar da Meadela, onde nasceu no dia 3 de agosto
de 1904 e Gaspar Martins Meixedo, natural do lugar de Santa Marta de Portuzelo,
onde nasceu em junho ou julho de 1905. Os pais conheceram-se através das
famílias que eram amigas e vizinhas e também por serem ambos comerciantes: o
pai era comerciante e industrial de materiais da construção civil e cereais e a
mãe era comerciante na área de frutas e cereais. Devem ter-se casado por volta
do ano de 1927 com vinte e poucos anos. Tiveram 9 filhos: uma mulher, a mais
velha, a Rosa Parente Meixedo e 8 filhos homens: Luís Parente Meixedo; Manuel
Parente Meixedo; Gaspar Parente Meixedo; Domingos Parente Meixedo, José Parente
Meixedo; Francisco Parente Meixedo; António Luís Parente Meixedo; José Passos
Parente Meixedo.
António Luís Parente
Meixedo é o oitavo filho. Até aos 6 anos foi criado pela irmã
Rosa, que se casou por volta de 1949, quando ele tinha apenas 6 anos para si
foi a sua verdadeira mãe, pois a mãe estava sempre a trabalhar fora e não dava
atenção aos filhos. Na sua opinião a mãe, Conceição Parente, era muito
gananciosa, só pensa no dinheiro e em comprar terras. Foi a irmã Rosa e o irmão
Gaspar que criaram os irmãos mais novos.
António Luís Parente
Meixedo com 7 anos foi para a escola, mas já trabalhava muito
para os meus pais. Ainda não tinha 7 anos e já trabalhava no duro. O meu avó,
Luís Martins Meixedo, era o pai do meu pai e era muito nosso amigo. Viveu na
nossa casa e ele foi muito importante para mim.
A
primeira professora, a D. ª Maria, era uma santa. Nunca ninguém me ensinou
nada, por isso não sabia ler nem escrever. Chumbei na 1.ª classe. Depois desse
chumbo, aprendi bem e na 2.ª classe tive outra professora, jovem, muito bonita
e boa pessoa, a quem eu roubava os batões. Ela era doida por um aviador. Ela
dizia-me “Oh, António Luís porque não vens mais limpo? Oh, professora, eu antes
de vir à escola vou com as vacas”. “Oh, António Luís tu lavaste os pés?” “Oh,
professora, ninguém mos lava, e eu não sei lavar”. Ela nunca chegou a casar com
o aviador, ficou solteira. Há uns anos atrás, fizemos um jantar todos os antigos
alunos com ela no restaurante Camelo, em Santa Marta de Portuzelo, quando
fizemos cinquenta anos.
Da
2ª classe para a 3.ª classe passei rápido. Na 4.ª classe, tive um professor
muito mau de São Salvador da Torre perto de Meixedo. Ele batia-nos com borracha
de pneu. Chamava-me “porco javardo”. Eu ia sujo para a escola, porque ninguém
cuidava de mim. A minha mãe andava sempre nos negócios. Nós não tínhamos casa
de banho como há agora. Quem limpava a casa erámos nós, eu, o Francisco e o
Passos. Fazíamos a comida, lavávamos o chão e ainda íamos com as vacas. A minha
mãe ia para as quintas comprar fruta nas árvores, depois mandava os criados
dela apanhar a fruta e vendia-a para o Porto. Lá em casa havia criados para
trabalhar com ela, mas não faziam nada em casa. Éramos nós os mais novos que
tínhamos de fazer o trabalho todo da casa. Ela só foi para a praça, para o
mercado de Viana do Castelo, muito mais tarde, já nós não estávamos em casa,
mas era só para se entreter. Os mais novos tinham de fazer tudo em casa.
Fazíamos a comida para todos, limpávamos a casa, íamos com as vacas. Tínhamos
um criado que era do piorio. Foi ele que me ensinou o bem e o mal. Levava-me ao
cinema, mas pedia-me para arranjar 25 tostões para o bilhete dele e 25 tostões
para o meu bilhete. Dizia-me para eu arranjar 10 escudos, para o cinema e para
irmos às gajas. Dizia-me: ”Tens de tirar essa virgindade”. Eu era muito pequeno
tinha apenas 9 ou 10 anos, mas tinha muito corpo, era já muito homem. Eu tinha
de fugir pela janela, por uma escada que ele colocava, porque os meus pais não
nos deixavam sair. Íamos ao cinema Palácio, que ainda existe, em Viana do
Castelo. O primeiro filme que vi foi o “Adeus às armas” nunca mais me esqueci.
Foi daqui que comecei a gostar de cinema. Depois do cinema, fomos às “putas” na
Rua dos Feitais, em Viana do Castelo, tinha uma gorda à porta. Tive de entrar
pelas traseiras por ser menor. Foi uma velha gorda que me calhou, brincou muito
comigo. O gajo já estava cá fora à minha espera, quando eu sai. Disse que tal?
“Oh pá isto é que é um bom remédio”. Gostei muito e perguntei ao criado,
“Podemos vir cá todas as semanas?”. Ele disse-me sempre que tiveres 10 escudos.
Isto durou até aos 14 anos, tornei-me um bocado vadio.
Trabalhava
com o meu pai e um dia lembrei-me de falar com o meu tio Manuel Martins
Meixedo, irmão do meu pai, que trabalhava na empresa de construção civil Alberto
Martins Mesquita, como diretor. Tinha à volta dos 14 anos e um dia
perguntei-lhe: “Você não me arranja dois dela?” [aparte perguntou-me: “Sabes o
que é dois dela?” é “Você não me arranja trabalho?”]. O meu tio estava a
dirigir os trabalhos de uma barragem nos Pisões e disse-me que me dava
trabalho. Então pedi uma manta à minha mãe e disse-lhe que ia trabalhar com o
tio Manuel. A mãe perguntou-lhe se eu ia para pedreiro e chorou muito. Fui com
o meu tio no carro dele e depois numa camioneta da empresa. Quando chegamos à
obra nos Pisões o meu tio disse para os colegas: “Este gajo é meu sobrinho, mas
é enxertado em corno de cabra, portanto se ele fizer asneiras digam-me”. O meu
tio disse que eu ia ganhar 120 escudos por mês, mas só recebia 20 escudos e o
resto ia para uma conta para mim. O meu tio disse-me: ”Entretanto, vais cumprir
tudo o que te mandar fazer, se não vais ter castigos”. Fiz muitas asneiras, mas
também aprendi muito com ele. O meu tio pôs-me em todas as artes para eu
aprender de tudo. De manhã, ficava com ele no escritório a arquivar os processos,
a limpar o escritório. Eu, como era curioso começava a fazer perguntas e ele
começou-me a mandar-me ficar mais tempo no gabinete. De manhã, ficava no
escritório com ele e de tarde ia para a carpintaria e para o betão armado, a
parte mais importante da construção civil. Eu gostava de ver as plantas e
comecei a entender tudo. Aos 17 anos já sabia ler uma planta. A barragem dos
Pisões terminou e viemos para o Porto. O escritório da empresa Alberto e
Mesquita era na Rua de S. Gens, para onde eu vim morar mais tarde e onde moro agora.
É o destino. Vim fazer uma moradia para o presidente do Banco Pinto de
Magalhães. Estava lá um encarregado de Viana do Castelo que estava já velhote e
o meu tio mandou-me para lá para eu tomar o lugar de encarregado. Esse Sr.
Martins, o encarregado, era amigo do meu pai. No final da obra, o dono da
moradia fez uma carta a elogiar o meu trabalho. O dono da empresa o Sr. Alberto
Martins convidou-o a ir para uma obra em Rio Tinto e eu passei a tratar da
parte da estrutura. Estive nessa empresa até ir à tropa, em 1964. Assentei
praça em Chaves, em 1964, e em 1965 fui para a Guiné Bissau e voltei em 1967. Depois
de regressar da guerra vim mais calmo, porque eu era um vadio. Vim um homem
calmo, “um homem feito”, disse a minha mãe e ela tinha razão.
O
meu tio Manuel Meixedo saiu da empresa Alberto e Mesquita e queria que fosse
trabalhar com ele. Contudo, recebi um convite da Alberto Martins e Mesquita
para ir fazer um bairro na cidade da Guarda, depois fui fazer uma obra no
Governo Civil da Guarda e ainda o liceu da Guarda, estive lá 2 anos. Depois
disso, sai da empresa Alberto Martins e Mesquita, porque estavam a fazer as 3
obras ao mesmo tempo, quando surgiu um problema. O ministro das obras públicas de
Salazar, Arantes de Oliveira ia inaugurar o Governo Civil, era necessário que a
obra estivesse pronta para a inauguração, no entanto, era preciso uma grua para
colocar uma pedra com o escudo português e o engenheiro que estava à frente da
obra não tinha pedido a grua para colocar a pedra com o escudo, para que eu
ficasse mal visto. Queixei-me ao patrão, ele foi à Guarda para resolver o
problema. Mas este foi o pé para eu vir embora. Fiz o seguinte ao engenheiro:
cobri o estirador com notas e soprei nas notas e disse-lhe “isto não vale nada
e você vale menos”. “Eu vou ao Porto despedir-me da empresa”. Ele era o diretor
da empresa, e tinha–me ódio por o meu tio ter sido o diretor da empresa, antes
dele. O patrão, o Sr. Alberto Martins, pediu-lhe para ficar, mas eu queria
saber se sabia fazer alguma coisa do outro lado, ou seja, noutra empresa.
Estava
um anúncio no jornal a pedir um encarregado para fazer a adega da Quinta da
Aveleda. Eu fui à entrevista, estavam lá uns 30 encarregados e eu fui o
escolhido. A obra era da Sogrape. Gostaram tanto do meu trabalho que me
ofereceram uma boquilha de ouro e 50 garrafas de vinho. Fui inclusivamente convidado
para o casamento da única filha, recebi do Eng.º Fernão Guedes, uma carta de
recomendação para ir fazer uma outra adega da Sandeman, mas a empresa tinha
gruas muito velhas e eu gostava de uma empresa mais moderna e queria ir para
uma grande cidade. O eng.º Fernão Guedes disse-lhe para eu ir a uma empresa
nova a Soares da Costa e para entregar ao eng.º Fernando Costa, a carta de
recomendação. Tinha vindo da tropa, em 1967, tinha 24 anos. Resolvi ir aos
escritórios da empresa Soares da Costa na Rua do Almada. Cheguei lá e pedi para
falar com o dono da empresa. Estava lá um senhor de idade, o Sr. Martinho. E
disse-me “Com qual dos patrões quer falar? São 3: o Sr. José Correia da Costa, o
Sr. Fernando Costa e o Eng.º Arlindo Costa. “Qual é o assunto?”. “Quero pedir
trabalho como encarregado de obra”. Ele respondeu: “O quê? Tão novo como é
encarregado de obra?. Eu respondi-lhe: “O Sr. Conhece o Kennedy o Presidente
dos Estados Unidos?” Ele respondeu: “Conheço”. “E ele é novo ou velho?”. Ele
respondeu: “É novo”. “Então, eu também não posso ser encarregado e novo?”. Ele
respondeu: “Tem razão, mas se é para ser encarregado, o melhor é falar com o
Sr. Adriano Carvalho, que é da Maia e está aqui às 6h da tarde. Vá ver uma
sessão de comboiada e venha às 6h, falar com ele”. Assim fiz, fui ver um filme
e regressei à hora marcada. O Sr. Adriano, quando lhe disse que queria
responder ao anúncio para encarregado, mandou-me para um escritório e deu-lhe
uma planta, deu-me meia hora para a analisar, em 10 minutos ele passou por lá e
perguntou-me se estava tudo bem e eu respondi-lhe que a análise estava pronta.
Ele fez algumas perguntas e eu respondi sem dificuldade nenhuma. Foram então de
seguida falar com o Sr. José Correia da Costa, o patrão, que me contratou. O
patrão perguntou-me quanto queria ganhar e eu respondi-lhe “150 escudos”. Ele
disse-me que não podia ser, porque os encarregados na empresa só ganhavam 120
escudos. Eu disse-lhe que não me importava de ficar 3 meses à experiência sem
ganhar e que no fim dos 3 meses ele via, se gostasse do meu trabalho dava-me os
150 escudos. Ele fez-me a proposta de ficar 3 meses a receber 120 escudos e ao
fim de 3 meses se gostasse do meu trabalho dava-me os 150 escudos. Depois desta
conversa, lembrei-me da carta de recomendação perguntei se estava a falar como
Sr. José Correia da Costa e ele disse-lhe que eu estava a falar com o mestre
Fernando Costa. Então dei-lhe a carta de recomendação da anterior empresa dada
pelo eng.º Fernão Guedes para o Sr. Fernando Costa. Quando ele abriu a carta,
ia caindo da cadeira de tanto rir. Disse ao Sr. Adriano que eu tinha acabado de
fazer a obra sobre a qual ele me tinha interrogado, por isso eu tinha demorado
apenas 10 minutos a planeá-la. Depois disso disse-me: “Está contratado, pelos
150 escudos”. “Vá para casa, porque já está a ganhar, deixe o seu telefone,
quando a nova obra começar, nós chamamo-lo”.
Na
primeira obra para onde fui trabalhar, um dia estava com colegas a analisar uma
planta e disse que os engenheiros não sabiam nada, porque tinham projetado mal
uma rampa. Um dos encarregados insultou-me dizendo que o eng.º era o genro do
patrão começamos a discutir e eu dei-lhe um soco. Foi aberto um processo
disciplinar, eu fui castigado e mandado para uma obra pequena na galeria da
câmara municipal do Porto. Um colega chamado o “piça negra”, que conhecia a
história e sabia que eu não estava satisfeito naquela obra, disse-lhe para
responder a um anúncio de uma nova empresa, em Capitão Pombeiro, que estava a
pedir um encarregado. Eu fui à entrevista a essa empresa. Quando lá cheguei
encontrei um amigo de de Viana do Castelo. Fui logo contratado, mas o patrão,
um tal Nelson, que era enfermeiro, não percebia nada de construção civil, tinha
herdado a empresa, mas não era do ramo. Entretanto, despediu-se da Soares da
Costa e foi para essa nova empresa e foi fazer um edifício a Capitão Pombeiro. Quando
estava a trabalhar na rua de Capitão Pombeiro precisava que um restaurante lhe
levasse as refeições. Mandou um servente ao restaurante mais próximo chamado “Escondidinho
de Amarante” para lhe mandarem a comida à obra. A dona do restaurante, a minha
atual cunhada Violante, disse que não tinham tempo para levar comida fora que
ele tinha de vir fazer as refeições lá. Quando lá foi a primeira vez, reparou
que havia por lá várias raparigas casadoiras e perguntou à filha da Violante, a
Linda, que na altura era muito pequena o nome das raparigas e se eram
comprometidas. Ela respondeu-lhe que eram tias dela e que duas eram
comprometidas, a Armandina e a Augusta e uma descomprometida, a Inês. Eu
simpatizei logo com a Augusta, a minha esposa atualmente.
A
empresa de Capitão Pombeiro era pequena e mal gerida, o patrão pediu-me que tomasse
conta da empresa, mas eu comecei a ver que havia muitas dívidas aos
fornecedores e comecei a procurar trabalho noutra empresa. Viu no Jornal que uma
empresa “Ressano Garcia e Filhos”, com escritório na rua Antunes de Guimarães,
pedia um encarregado para começar uma obra na Avenida de França. Fui à
entrevista, o patrão contratou-me, mas no fim da entrevista perguntou-me: “Você
não me vai bater, ora não?”. Disse-me que era primo do eng.º Faria Guimarães,
da empresa Soares da Costa, e que tinha sabido da história dele. Disse-lhe
ainda que se falava muito dele. Confidenciou-lhe que o Sr. Fernando Costa estava
muito trise comigo, que queria ter tido uma palavra comigo antes de eu ter
vindo embora da empresa Soares da Costa. Estas situações passaram-se por volta
de 1970, já eu namorava com a tua tia Maria Augusta Duarte Rodrigues.
Porque voltou novamente
para a Soares da Costa?
Como
tinha saído da Soares da Costa, o mestre Fernando Costa procurou-me na obra da
Avenida de França. Eu ia a sair um dia às 18h e ele foi ao meu encontro e
disse-me que queria que eu voltasse para a empresa Soares da Costa, que tinha havido
um mal-entendido. Então regressei em fins de 1969, mas apesar de eu ganhar mais
na Ressano e Garcia, eu preferi ir para a Soares da Costa, porque era uma
empresa de futuro. Fui fazer um projeto para a Rua Nova do Teatro, na Foz,
depois fui para a Pasteleira fazer um bloco habitacional, depois para Santos
Pousada e mais tarde fui aumentar a fábrica da Effacec na Via Norte.
Depois
fui para Caxia, em Aveiro, fazer uma fábrica de celulose, de papel. Aprendi
muito com isso.
Depois
desse projeto fui convidado para fazer o hospital de Viana do Castelo. Fiz
todas essas obras de 1969 a 1975.Casei a 27 de julho de 1975 na capela da Pasteleira, no Porto.
Entretanto,
comprei o meu andar em 1973 ainda solteiro, depois mobilei-o. Preferi construir
em primeiro lugar o lar para depois mais tarde comprar carro, o que aconteceu em
1977.
A
minha especialidade era estrutura, a engenharia deixava uma equipa a fazer os
acabamentos e eu avançava para outros projetos.
A
primeira vez que sai de Portugal na empresa Soares da Costa foi em 1975, quando
fui para a Venezuela, fazer uma siderurgia.
Entretanto,
em 1975 estava acabar o hospital de Viana e fui convidado a ir fazer um projeto
à Venezuela com um consórcio alemão era a primeira vez que a Soares da Costa
saía para fora. Tratava-se de fazer a maior siderurgia do mundo em Porto Ordaz,
zona onde o solo tem 75% de aço.
A
minha mulher Maria Augusta Duarte Rodrigues Meixedo acompanhou-me. Ela saiu de
Portugal grávida, já tínhamos casado, em julho de 1975. Foi lá que nasceu a
minha primeira filha, a Joana Patrícia Rodrigues Meixedo, na clínica Bolivar em
Porto Ordaz. A minha mulher quis fazer um parto sem dor e correu mal. Eu fui
pai e mãe da Joana durante 15 dias. Foi o acontecimento mais marcante da minha
vida, o nascimento da minha primeira filha.
Terminado
esse projeto, que só durou um ano, houve uma manobra política para eu ficar,
sabendo eu que a obra não tinha acabado o chefe pensava que eu ia pedir para
ficar, mas eu confiava na minha empresa e o meu contrato era só de um ano e eu
disse que voltava, A empresa alemã fz a proposta para ficar com muitas mias
regalias, mas eu apostei na empresa em que eu confiava. Ainda me mandaram
cartas para Portugal a aliciar-me a ir para a empresa alemã, mas eu não quis
arriscar. Regressei em princípios de 1978, a Joana já tinha 6 meses, nasceu a 11
de novembro de 1977, dia de S. Martinho e da independência de Angola.
Comecei
a trabalhar, no Porto, na construção da seguradora Tranquilidade, no Palácio.
Em
novembro de 1980, fui para Angola correndo muitos riscos, porque, entretanto,
nasceram mais 2 filhas gémeas a 26 de maio de 1980 no hospital de S. António,
no Porto. Era uma situação difícil aquilo era comunista, mas fui convidado para
ir como encarregado geral. No primeiro ano fui sozinho, para fazer o estádio desportivo
para os jogos da áfrica astral, a cidadela desportiva. Só podíamos levar
técnicos, porque em Angola reinava a desordem e nós lá tínhamos uma empresa com
3000 operários, que não estavam a trabalhar. Era preciso pôr aquela empresa que
lá tínhamos a funcionar, mas foi muito difícil. A equipa técnica desbaratou-se
toda, e teve de regressar. Eu fiquei, criei condições com a empresa e em meados
de 1981 levei a família toda. Fiquei lá até 1990, mas a família veio antes. Eu
tinha todas as condições a Joana estudou lá num colégio, as duas mais pequenas
a Filipa e a Marlene ficaram com a mãe em casa. Criou-se entretanto uma escola
portuguesa privada, muito cara, onde estudou a Joana.
Em
1985, comprei uma moradia na Rua da Avilhó onde vivo e vendi o apartamento que
tinha no Carvalhido. Em 1988, vim cá passar ferias e a minha filha mais velha,
a Joana, um dia no café, perguntou-me se a nossa vida ia continuar assim, porque
ela só tinha amigos de Lisboa, de Angola, e quando chegava ao Porto não conhecia
ninguém. Ela deveria ter 11 ou 12 anos. De facto, pensei naquilo que ela me disse,
conversei com a minha mulher e decidimos que elas ficavam e eu deixaria de ir
tanto para fora. Fiquei mais 1 ano em Angola. Este projeto foi tão importante
para a empresa hoje está sediada em Angola. É lá que a empresa tem o maior
mercado de trabalho. O Fernando Costa entretanto morreu ficaram os sobrinhos. O
administrador Sousa Ribeiro pediu-me para ir salvar um fogo na Ásia. Eu tinha
prometido à minha mulher e às minhas filhas não sair mais, mas ele disse-me que
me dava mais vantagens e com essas vantagens eu poderia proporcionar melhores
condições de vida às minhas filhas e eu aceitei ir para Macau. Fiz uma
incineradora em Macau, um bairro de apartamentos, um túnel, o túnel da Guia,
onde se faziam as corridas em Macau. Ganhámos o aeroporto de Macau, fui diretor
de produção, fiquei 6 anos e meio. Fui em 1990, sozinho para a família se
adaptar em Portugal e a família só foi lá visitar-me. Eu fui em agosto e a
minha mulher foi-me visitar em outubro. Fazia 45 dias de férias por ano. Combinámos
a família não ir, porque eu trabalhava muitas horas. Eu tinha dias em que
trabalhava 20 horas, 14, trabalhava mais do que 12 horas por dia. Dependia da
entrega do projeto, das dificuldades. As filhas fizeram os estudos que
quiseram, dei-lhes uma boa vida. Eu era o motor de toda a economia da família e
tive um pouco de sorte não ter tido doenças e me ter adaptado bem na empresa,
onde trabalhei 36 anos dos quais 26 anos internacionais. Trocava de carro como
quem trocava de camisa, todos os carros foram comprados novos (passat, ford,
passat e atualmente tenho um volvo). A empresa dava sempre bons carros onde eu
trabalhava. Tinha casa, carro e viagens 3 vezes por ano e as ajudas de custo
que eram mais 5 vezes o salário. Só vão para o estrangeiro os funcionários
muito testados.
Regressei
a Portugal em 1996, porque o administrador precisava de mim na Europa. Estive
15 dias no Porto a estudar o dossiê da Alemanha e depois fui para a Alemanha,
como diretor de produção. A empresa estava com muito prejuízo com obras em
Berlim, Hamburgo. Fui para lá para diminuir o prejuízo e organizar as obras. Lá
tinha uma tradutora oficial, porque os maus tradutores traziam prejuízos enormes
à empresa, porque traduziam mal os contratos. Estive 3 anos na Alemanha, fui no
fim de 1996 e regressei no fim de 1999.
Primeiro
acabei e terminei com alguns contratos que davam prejuízo.
Uma
empresa italiana tinha 17% da Soares da Costa e essas obras foram conseguidas
por essa empresa italiana. Os alemães faziam os contratos à feição deles.
Cheguei lá analisei várias obras e consegui que os clientes desistissem de
algumas obras, que estavam mal feitas e com prejuízos para nós. Por exemplo, eu
tinha que construir um túnel no metro de Munique, com uma cofragem alemã do
tempo do Nero. Foi esta expressão que usei no meu relatório para a empresa. O
administrador na sede no Porto achou piada à minha expressão. Noutras a cofragem
tinha passado por 100 obras. Eu tirava fotografias às obras, juntava ao
relatório e levava para as reuniões com os alemães e os gajos desistiram de 2
obras importantes. As que estavam iniciadas, obrigávamo-los a cumprirem os
prazos, senão éramos indemnizados. Numa obra no centro de Munique, exigi que
fechassem várias ruas no centro de Munique, mas eles disseram que a câmara não
autorizava. Então, desistiram, porque acharam muito caro o nosso orçamento, iam
chamar uns turcos. O diretor geral numa reunião pediu à nossa tradutora para me
perguntar se o meu pai, mãe, o avô ou avó eram alemães, pois eu era pior do que
os alemães. Respondi que não, que eu soubesse não, mas que tinha sangue de D.
Afonso Henriques, que era do Minho e o D. Afonso Henriques era do Minho.
Encerrámos ao fim de ano e meio para pensar. Ganhámos mais obras em Berlim, em
Haia, Leibniz, em Hamburgo, Hannover. Eu tinha todos dias reuniões em várias
cidades, andava de avião e num BWW topo de gama. Eu gosto muito dos alemães.
Vivia numa moradia no mar Báltico, em Rostof. Terminados estes projetos
regressei.
As
minhas filhas foram a Macau estiveram na China, também fizeram férias em várias
partes da Alemanha (Berlim, Munique). Regressei em fins de 1999. Comecei na
sede, na Rua Senhora do Porto, em 2000. Entrei num estudo para colocar um metro
em S. Salvador da Baía. Ganhamos a obra e depois chegou uma ordem para não
irmos, um engenheiro que era relações públicas do Soares da Costa associou-se a
uma empresa francesa e enganou a Soares da Costa. Antes da bronca acontecer
despediu-se.
Agora
a Soares da Costa mudou-se para o Campo 24 de Agosto, porque não conseguiram
vender o edifício. A Soares da Costa acabou.
Para
não fugir o fio à meada, estive ano e meio no Porto e depois em 2000. Havia um
projeto de saneamento nos Barbados, eu nunca tinha feito nada do género. O
Governo dos Barbados convidou a Soares da Costa para ir ver o projeto, porque a
empresa espanhola que lá estava não estava a conseguir fazer a obra. Mandei
traduzir o projeto e vi que a obra era toda debaixo de água. Não tinham
saneamento básico e o governo ou fazia o saneamento ou perdia a patente de
turismo superior. Os Barbados recebiam o Concorde 2 vezes por semana. Eu disse
ao administrador que não havia orçamento para estancar a água. Fiz um estudo
sério. Conclusão, fomos aos Barbados com o tal administrador, durante 3
semanas. Eu pedi ao engenheiro canadiano o levantamento dos erros cometidos na
obra para melhorar o que estava mal. Ele compreendeu e emprestou-nos o projeto.
Conseguimos manter a obra. Fizemos o túnel, fizemos tudo.
Isto foi em?
Em 2000 e vim em 2003.
Eu
vim mais cedo, porque era para ir iniciar um projeto a Angola em 2004, porque era
um projeto muito exigente. Nós tínhamos de ser autosuficentes, apesar de termos
lá a empresa. Fomos construir 3 torres em projeto (para a Total, Sonangol) e
outras empresas petrolíferas, com gás, central de resíduos, com todas as
infraestruturas modernas. Voltei em 2006, convidaram-me para ir para
Moçambique, mas eu disse-lhes que nem pensar, que me queria reformar.Posso fazer-lhe mais duas perguntas? Podes.
Como viveu a sua
experiência na guerra colonial, na Guiné Bissau de 1965 a 1967?
Eu
encarei a guerra.
Caí
numa mina anticarro e fiquei surdo. Eu tive uma meningite aos 2 anos e fiquei
com a boca um bocado ao lado e a ouvir mal, mas com o acidente na Guiné fiquei
surdo.
Queria
que eu ficasse na tropa como sargento. Eu salvei um sargento do Alentejo, o
Vélez, eu não pensei que era ele, mas um conterrâneo meu de Viana. Estava todo
a arder eu tirei-o do fogo e ainda me queimei no braço. O capitão também se
queimou e foi fazer plásticas. Um médico, o David Leite, do hospital de Bissau,
chamou-me porque o sargento Vélez me queira pedir desculpa, porque na recruta
em Chaves tínhamos andado à porrada, e eu salvei naquele acidente. Mais tarde,
encontrei esse médico no Porto, quando fui aconselhado pelo teu tio a ir
consultá-lo, por causa da vesícula.
Um
dia o capitão estava para regressar à metrópole, atacaram o avião onde ele
vinha e ele foi o primeiro a apanhar um tiro no pé. Todos os anos, fazemos uma
homenagem, um encontro com o grupo da tropa. O capitão tornou-se meu amigo,
quando eu estive com o paludismo. Mandou-me dar-me sumos na messe. “O que o
Santa Marta precisar dêem-lhe”. Se tivesse seguido a tropa por causa de ter
salvo o sargento passava a 2.º sargento, como não segui não consta nada na
caderneta militar. O Salazar sabia muito… (risos). Na tropa, éramos conhecidos
pelo número, o meu era o 2272 nunca mais me esquece. Chamavam-me o Santa Marta
por causa do Grupo Folclórico de Santa Marta de Portuzelo. O capitão, quando
nos encontramos mais tarde, dizia: “Este gajo que está aqui, quando havia
guerra este gajo fazia-se doente e vinha para trás”. Eu só tinha de me
defender. Os outros 6 que estavam comigo vinham também para trás.
Se
me perguntas se fiquei traumatizado? Não, eu levava aquilo na brincadeira.
Aquilo não tinha interesse. Aquilo era uma passagem.
Não escrevi?
Sim, tinha madrinhas de guerra. Se se tinha dinheiro, casava-se quando se
regressava, se não. Se se morresse, morria-se, a minha família não queria
saber, a minha mãe nunca me deu um beijo, nunca me limpou o cú, só a minha irmã
me deu algum carinho.
Quando
chegámos a Lisboa no navio Houaiss(?), a 14 de fevereiro de 1967. Passámos
muito frio, fomos entregar a roupa. Por causa das doenças que ganhámos lá fomos
tratados. Eu fui bem tratado numa clínica em Gondomar, eu tinha paludismo, fui
tratado.
Se
me dizes que há traumas? Há.
Há
pessoas que não aguentam o trabalho, os chefes, outros aguentam. Há pessoas com
mais traumas e outras não.
Como recorda o 25 de abril
de 1974?
Estava
a construir a fábrica de Celulose em Caxia. Tive de parar o que estava a fazer,
uma chaminé e um silo. A chaminé por razões técnicas não podêmos parar e o silo
parou, porque foi um dia de liberdade.
Na
Soares da Costa, fizemos uma comissão de trabalhadores, a seguir ao 25 de
abril. Fizemos um jantar num restaurante no Porto, e a minha proposta foi
juntarmos todas as classes e formar uma comissão legal incluindo membros do
patronato. Fizemos uma comissão provisória, convidaram-se para essa comissão.
Fizemos a reunião com toda a gente. O patrão aceitou colocar aquecimento nas
casernas do pessoal, dar melhores condições ao pessoal. Ganhei as eleições, fui
presidente da comissão durante 2 anos. A sede da comissão era na Rua do Almada.
Foi aí que comecei a ganhar um estatuto de respeito na empresa, não era bom
também não era mau. Tinha bom senso. Houve alturas, com aquilo que vivi na
Guiné, que eu era mais tenso.
Eu
gosto hoje de contactar com toda a família, que tenho no Brasil. Eu gosto das
novas tecnologias, a tua tia não.
Há alguma coisa que mais o
marcou na vida?
Sim,
quando nasceu a minha primeira filha e as outras. Agora tenho mais tempo para
brincar com os meus netos. O Marco, o filho da Filipa, é terrível, diz:
“Cala-te Meixedo”. Vou a Paris duas ou três vezes no ano. Vou lá a 27 de
outubro. A Margarida, a filha da Joana, é muito boa menina e gosta muito daqui
da casa da aldeia. Diz-me onde se liga o gás, a luz, a televisão, onde se
coloca a chave. Ela gosta muito de Campo Benfeito.
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